Hipódromo de Constantinopla - Entre a Velocidade e a Política
- Carolíngio
- há 2 dias
- 4 min de leitura
Constantinopla, a sede e a capital do Império Romano Oriental, também conhecida como Império Bizantino, era uma das instituições políticas mais sólidas e poderosas do medievo. Seu legado como herdeiros de Roma, aliado a ressignificação que a cultura grega medieval, com tradições populares, bem como o cristianismo ortodoxo cismático a Roma após 1054, formavam a capital bizantina e o império um dos Estados mais ricos em termos étnicos, multiculturais e, em alguns períodos, até econômicos.
Conhecido como Circus Maximus Constantinopolitanus, era uma suntuosa construção que demonstrava o poder e a opulência do Império Oriental. Era um centro de esporte, social e de lazer para as massas e a elite de Constantinopla, atraindo diversas pessoas.
Foi utilizado para corridas de cavalos e bigas ou quadrigas. Era um esporte perigoso, mas que movimentava o imaginário dos gregos e romanos, a ponto de efetuarem apostas, terem times e até torcidas organizadas, não aos moldes modernos, mas dentro de sua própria realidade.
Era uma das grandiosas estruturas de Constantinopla. Digna de adquirir a fama que com o tempo acabou recebendo. Tinha 450 metros de extensão e chegava a 130 metros de altura. A capacidade de público do hipódromo era impressionante: 100 mil espectadores. Para termos uma noção da grandiosidade do monumento, o coliseu em Roma, o Circo Máximo, tinha capacidade para abrigar 50 a 65 mil pessoas.
Sua arquitetura foi projetada em formato de “U”, adornada com vários monumentos, demonstrando suas diversas funções dentro da sociedade bizantina.

Política e Decoração
O Hipódromo tinha uma clara função política durante o Império Bizantino: mostrar o poder e a potestas de Constantinopla. Para isso, uma série de estátuas de figuras que fazem parte da cultura grega e romana, as bases culturais do Império Oriental, foram esculpidas e utilizadas, como de Rômulo e Remo, Hércules, a Lupa Capitolina, e diversos deuses do panteão greco-romano.
Isto fica ainda mais evidente no trabalho De Cerimoniis, em que o Imperador Constantino Porfirogênito apresenta o hipódromo aos visitantes árabes e as comitivas diplomáticas que costumavam visitar Constantinopla. Um evidente símbolo de poder, riqueza e glória para os bizantinos.
Os famosos “Cavalos de São Marcos”, levados pelos cruzados após a Quarta Cruzada, em 1204, representam toda a pompa de uma quadriga. Ésquilo de Mileto, que viveu na cidade no século VI, apontou que havia uma estátua de Hecate, deusa grega.
O hipódromo contava ainda com a presença de dois grandes obeliscos. O primeiro era um obelisco vindo diretamente do Egito. Esculpido em granito rosa, pertencia ao Templo de Karnak, em Luxor, e remonta aos tempos do Faraó Thutmose III, cerca de 1490 a.C. Foi levado para Constantinopla durante o governo imperial de Teodósio, o Grande, em 390.

O outro obelisco foi erguido no século X, no reinado imperial de Constantino Porfirogênio. Foi colocado na extremidade oposta do Obelisco de Thutmose III e, originalmente, era todo coberto com placas de bronze para uma demonstração de riqueza e estética com as luzes do sol batendo durante as corridas. O obelisco foi saqueado durante a Quarta Cruzada pelas tropas latinas.

Política, Simbologia e Estética
Ao longo de todo o período bizantino, o hipódromo era um dos centros da vida social bizantina de Constantinopla. O grande espetáculo era sem dúvidas, as corridas de bigas e quadrigas, que movimentavam toda a cidade em um espetáculo imenso.
Quatro times que participavam das corridas, cada um financiado e patrocinado por poderosos da cidade, que, muitas vezes, assim como nos times da Europa dos dias de hoje, representavam alguma causa política dentro do determinado contexto histórico estudado. No caso bizantino, os times representavam os partidos e as denominações do Senado Bizantino de Constantinopla e seus nobres.
Havia o time Venetoi, representados pela cor azul, os Prasinoi, representados pelo verde, os vermelhos eram chamados de Rousioi e os brancos, eram conhecidos como os Leukoi. As cores adornavam as bigas e quadrigas para deixar bem claro qual time estava ganhando e qual estava perdendo. Havia também grandes estruturas para manutenção dos equipamentos, fazendas para manterem os cavalos sempre saudáveis e até um grupo para treinamento dos condutores que guiavam os cavalos.
Com o tempo, as crises políticas e financeiras do império, os vermelhos e brancos acabaram se enfraquecendo e foram absorvidos pelos outros dois times que tinham maior dominância, os azuis e os verdes. Os embates eram tão violentos e sérios que dependendo do momento, a turba tornava-se extremamente instável e era necessário intervenção.

No ano de 532, esta grande revolta e rivalidade entre os verdes e azuis veio à tona. As “Revoltas de Nika” são causa e consequência desta agitada rotina esportiva e política. Diante de certas tribulações políticas de uma guerra entre bizantinos e sassânidas, parte do Senado estava em discordância. Os ataques entre os times ficaram tão violentos que até guardas imperiais foram atacados e emboscados.
Outra importante causa que pode ter gerado as revoltas, que escalonaram e saíram de controle: o Imperador Justiniano, havia sido acusado de estar beneficiando um dos times. Sabemos a problemática de um líder de Estado beneficiar um time quando envolve-se esporte, política e paixões. A revolta escalonou a ponto apenas da liderança de Flávio Belisário e das tropas imperiais terem que ser posicionadas e conterem com violência a rebelião que tomou conta da cidade toda.
Diversas classes sociais se reuniam para ver as corridas, logo, não era apenas um evento para movimentação das massas. Ocasionalmente o imperador comparecia as corridas, contando como aparição pública oficial e os locais destinados aos nobres membros do Senado de Constantinopla era um amplo e aconchegante local para assistir as corridas. Naturalmente, cheio de toda a suntuosidade que se espera de um evento de altíssimo padrão, o hipódromo também era o local ideal para discussões e conversas políticas.
O imperador tinha acesso direto do hipódromo. A Kathisma, o alojamento oficial do imperador, tinha acesso direto ao palácio imperial, o que permitia não apenas mobilidade para assistir as corridas e participar de reuniões e eventos políticos, mas também de proteção caso a turba demonstrasse alguma instabilidade.
Corrida: Cerca de oito quadrigas, duas de cada time, eram postas em linhas para iniciar a corrida. Estes eventos marcavam toda a semana da cidade atraindo pessoas inclusive de além dos limites das fronteiras do império. Apostas eram feitas, haviam atrações em todas as praças da cidade e a economia local era aquecida em diversos sentidos.

Fontes
Arquitetura Bizantina – Cyril Mango
Hippodrome-architeture – Encyclopaedia Britannica
Hisória das Guerras - Procópio de Cesaréia
Comments