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São Patrício

São Patrício é uma das figuras mais icônicas da história do cristianismo e faz parte direta da tradição das Ilhas Britânicas, embora sua festa tenha tomado um sentido secularizado, muitas vezes distanciando de seu real sentido religioso. Mas quem foi São Patrício e qual o motivo dos países de cultura anglo-saxã e ancestralidade celta terem um apego tão forte com este santo é o que tentaremos responder neste artigo.


Vitral do Smith Museum, Chicago
Vitral do Smith Museum, Chicago

Nascimento 

Há muitas discussões sobre a data exata do nascimento de São Patrício. De qualquer forma, temos a exatidão do século e do momento histórico em que o santo viveu: foi no Século V, durante os últimos dias do Império Romano na Britânia, no momento de transição política e cultural - uma vez que as legiões abandonam as ilhas no ano de 410, quando São Patrício já era vivo. 


Diversas discussões sobre o lugar de nascimento de São Patrício ocorreram: Glannoventa, atual Ravenglass, em Cumbria, mas historiadores modernos, como Eoin MacNeill, em 1926, apontam que foi em Glamorgan, País de Gales. A Enciclopédia Católica diz que foi em Kilpatrick, Escócia, além das muralhas de Adriano. 


O pai de Patrício era Calpúrnio, um decurião, possuía funções civis e sagradas e era diácono de uma cidade romano-bretã. Seu tio era sacerdote. Mas a tradição aponta São Patrício ainda não ligado a fé, sua juventude é marcada por “imaturidades e ócio”. 


Mudança aos 16 anos  

Tudo muda aos 16 anos de idade, tempo em que, geralmente, os meninos iniciam sua preparação para a vida adulta. O jovem Patrício é capturado por piratas na Villa de sua família em Bannavem Taburniae. Foi capturado e mantido como escravo por seis anos. 


Em sua própria obra, Confissões de St. Patrício, escreve que o período de sua prisão foi essencial para seu desenvolvimento espiritual e que o Senhor teve misericórdia de sua imaturidade, para perdoar seus pecados e concedeu a oportunidade para um recomeço. 


Então, um dia, escutou uma voz dizendo que em breve iria para casa e que um barco estava pronto. Patrício foge cerca de 320 Km até encontrar um barco, persuade o barqueiro a o levar consigo. Faz a viagem de volta para a Britânia e inicia seus estudos na fé cristã, ao retornar para a família. 


Mudanças 

Entao, Patrício inicia seus estudos de maneira mais aprofundada na Francia, em Auxerre. Passou pela Abadia Marmoutier, em Tours, e foi tonsurado na Abadia de Lérins. Foi ordenado sacerdote por São Germano de Auxerre, Bispo na época dos fatos. Com o tempo, foi sagrado Bispo por São Máximo de Turim. 


Após seu estudo e trabalho no continente, São Patrício resolve retornar as ilhas britânicas como missionário. Escolhe a Irlanda como local de sua missão e desembarca em Wicklow. De início, não fora muito bem recebido pelos locais, sendo forçado a ir ao norte. Em Meath, conhece o filho do Rei Secsnen, Benin, que passa a acompanhá-lo. 


Começa, então, a pregar e converter as massas: Batismos em massa, pregações nos grandes halls dos senhores irlandeses, onde suas rainhas passam a se converter, mulheres nobres e algumas ricas, dentro da ideia de riqueza da época - muito diferente dos padrões modernos - buscam doar seus pertences e se tornarem freiras. Naturalmente, não era em todos os locais queera bem aceito. A elite local, nem sempre o recebia bem, como o próprio santo escreve na Confessio


Sua recusa em aceitar presentes dos reis e chefes locais, muitas vezes era mal visto diante da tradição da hospitalidade e, em função disso, já havia sido expulso, apanhou e chegou até a ficar 60 dias preso, onde esperava ser executado. 


Não podemos nos esquecer de citar uma coisa: Se São Patrício espalhava a palavra do Evangelho de Cristo, o espalhava para qual povo, em qual religião? Os irlandeses são etnicamente celtas, com uma antiga religião celta que foi sofrendo algumas alterações desde a Idade do Bronze. É uma longa caminhada histórica e religiosa até o século V d.C. 


Os druidas, sacerdotes da religião celta, não tinham nenhum apreço e nutriam grande desprezo por São Patrício e pelos missionários cristãos. 

 

O Trevo 

Um dos símbolos mais famosos da história de São Patrício é o trevo na cor verde, atrelada a planta. Mas qual o sentido do santo utilizar um trevo de três folhas? Qual a intencionalidade por trás de sua ação? 


São Patrício utilizava o trevo de três folhas durante seus ensinamentos catequéticos. A doutrina da Santíssima Trindade é uma das mais complexas quando se estuda a teologia, muitas vezes difícil de compreender para diversos fiéis e ainda mais complexa para um sacerdote explicar. 


Além disso, a Irlanda, com seus ritos politeístas, tinha muitos deuses triplos, ou seja, divindades que apareciam em três formas possíveis, mas ainda eram apenas um deus, dependendo da ocasião. Patricia Monaghan, especialista na mitologia celta irlandesa, em seus livros nos mostra que não há indícios diretos de que o trevo de três folhas era sagrado para o irlandês, logo, a escolha de São Patrício possui natureza catequética e prática. 


Portanto, para melhor explicar a Santíssima Trindade para os irlandeses, São Patrício se utilizou de um trevo de três folhas, para suas homilias e discursos para que os irlandeses entendessem o conceito cristão da trindade, ainda monoteísta, sem associá-lo aos deuses celtas, politeístas. 


São Patrício prega aos reis da Irlanda, vitral da Catedral de Carlow
São Patrício prega aos reis da Irlanda, vitral da Catedral de Carlow

 

Cobras e a Irlanda

Uma famosíssima história nos conta que São Patrício baniu as cobras da Irlanda, que depois deste evento, ficou conhecida como a “ilha sem cobras”. Esta história surge ligada a São Patrício no Século XII, por Jocelyn de Furness, um monge cisterciense e hagiógrafo. A história já havia sido atrelada a outro santo e missionário da Irlanda: São Columba de Iona. 


Entretanto, a Irlanda não possui cobras, logo, não podemos estar nos referindo diretamente ao animal cobra e sim a alegoria da cobra. A antiguidade e o medievo são repletos de alegorias e não devemos ter a prepotência de descreditar sem ter uma leitura ainda mais aprofundada sobre o tema. 


O tema hagiógrafo de banimento de cobras pode nos remeter às Sagradas Escrituras ao livro do Êxodo, quando o profeta Moisés usa seu cajado para vencer os sacerdotes do Faraó. Além disso, as cobras simbolizam uma das personificações do mal, assim como o personagem mitológico do dragão. Logo, o banimento das cobras nos remete ao batismo e a conversão da Irlanda, arrependendo-se de seus pecados, banindo assim o mal e aceitando Cristo como seu Senhor. 


São Patrício e as cobras
São Patrício e as cobras

Jejum na Irlanda

De acordo com a própria tradição medieval do Bispo Tírechán, do Século VII, São Patrício passou 40 dias no topo da montanha de Cruachán, tal como Moisés fez no Monte Sinai. 


Dois séculos depois, temos em Bethu Phátraic, documento que nos conta a vida de São Patrício, relatos que o santo foi atormentado por demônios voadores e apenas se livrou deles após tocar seu sino. Outro conto diz que o santo foi atormentado por uma serpente que também foi expulsa. O monte foi renomeado para Croagh Patrick ou Phádraig.  

 


Sino de São Patrício
Sino de São Patrício

Dáire e Crom 

São Patrício queria fundar sua maior igreja em Armagh, em 445. Ocorre que o chefe local, Dáire, recusou a permitir a construção, por pertecer aos velhos costumes.  


O local era uma colina, terreno elevado e geralmente os templos eram construídos em uma geografia similar. Então, um certo dia, os cavalos de Dáire começam a morrer após pastarem no terreno pedido por São Patrício. O chefe local ordena a execução de São Patrício, mas o chefe irlandês adoece junto de mais de seus cavalos. Os homens de Dáire ao invés de cumprirem o pedido, pedem para que o santo cure o chefe local. 


Utilizando água benta, ambos são curados. Dáire presenteia o santo com um grande caldeirão e permite a construção na colina de Armagh. A igreja passaria a ser a sede da Igreja na Irlanda. 


Crom era outro chefe local. São Patrício viajando, pede comida. Em contrapartida, Crom envia seu touro, na esperança que espante o clérigo ou que o mate. O touro se submete ao santo como um boi pronto para o abate. O chefe fica tão impressionado com a calma e a fé do Apóstolo da Irlanda que se converte ao cristianismo, em algumas versões do conto, o touro mata Crom. 

 

São Patrício e os Ancestrais 

Não é nenhuma novidade que o respeito pelos ancestrais faz parte das culturas antigas, sejam elas politeístas ou cristã. Uma obra chamada "Acallam na Senórach", texto irlandês do Século XII, é incorporado a tradição alegando que São Patrício conversa com Caílte mac Rónáin e Oisín durante suas viagens. 


Ambos eram membros da Fionn mac Cumhaill, que era um grupo de guerreiros renomados. São Patrício encontra estes guerreiros, já em idade avançada e o santo tenta convertê-los ao cristianismo, enquanto os guerreiros defendem os velhos costumes. 


Nesta história, há um contraste entre os costumes do cristianismo que mudavam a sociedade irlandesa da época, ainda mantem os costumes celtas, mas agora, em diálogo com a cultura cristã que chega na ilha. 

 

São Patrício e o Taberneiro

A tradição diz que durante uma das diversas viagens do santo, ao parar em uma taberna, logo percebe que o taberneiro trata seus clientes muito mal, além de não ser nem um pouco generoso com seus clientes. São Patrício diz que há um demônio preso no sótão e que está sendo alimentado pela desonestidade e avareza do local. Diz para o taverneiro que a única forma de se livrar do problema seria alterando seus atos.


Tempo depois, visita novamente a taverna e percebe o taberneiro servindo muito bem os clientes. Pede para visitar o sótão e percebe que nada mais tem lá. O demônio foi expulso. O santo diz que o povo deve comemorar em memória a este evento e alguns dizem que é em função disso que surge o termo “drowning the shamrock”, “afogando o trevo” (na cerveja). 

 

Santidade

Muitos acreditam que sua morte fora no dia 17 de março, considerado o Dia de São Patrício e dia de sua memória e festa. Sua história é muito popular por toda a cristandade e logo a história de seus feitos, sua fé e religiosidade se espalharam pela Europa. Não tardou para ser considerado santo e o processo de canonização ser organizado. Inclusive as Igrejas ortodoxas o veneram como santo, pois sua vida e eventos ocorreram antes do Grande Cisma de 1054. 


São Patrício está enterrado na Catedral de Down, junto de São Columba e Santa Brígida, outros nomes importantíssimos para o cristianismo da Irlanda. 

 

Desta forma, São Patrício torna-se um dos maiores nomes do cristianismo para a Irlanda, seu legado vai além da ilha celta e do Eire. Sua contribuição se espalhou por toda a Europa e, posteriormente, sua festa ficou conhecida por todo o mundo. Sua fé e devoção se tornaram símbolos da conversão da Irlanda e o trevo de três folhas, um objeto simples a princípio, que fora utilizado com fins pedagógicos, para explicação de um dos conceitos teológicos mais complexos, acabou por se tornar um dos pivôs da conversão dos povos e eternizou a vida do santo, ligando-o ao símbolo para sempre.


Vitral de São Patrício, Ohio
Vitral de São Patrício, Ohio

Fontes

Atlas of Irish History - Séan Duffy 

Encyclopaedia Catholica 

The Arrival of Saint Patrick – John Healy 

The Conversion of Europe: From Paganism to Christianity 371–1386 AD – Richard Fletcher 

Legenda Áurea - Jacopo de Varazze 

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