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São João Batista - História, Tradição e Festa

O mês de junho é famoso pela existência das festas juninas, quermesses, famosas também como a “Festa de São João”. Mas qual a história deste santo católico? Qual sua importância para o cristianismo? Como a vida de um santo conseguiu ganhar tanta popularidade, adentrando na rotina das pessoas e perpassando pelos séculos para chegar até os dias de hoje, onde reúne diversas pessoas? A resposta envolve um pouco de estudo de hagiografia, história e antropologia.


São João Baptista é uma das figuras mais importantes quando estudamos a história de Jesus Cristo. Presente na crença católica, ortodoxa e no protestantismo batista e inclusive no islã como Yahya, nasce nos tempos do governo de Herodes Rei da Judeia, na Tetrarquia Herodiana. De acordo com o Evangelho de São Lucas, São João é filho de Zacarias, sacerdote do templo hebreu e Santa Isabel. Diz a tradição da sagrada escritura cristã que o anjo que anunciou a chegada de São João, anuncia a Zacarias que a criança deveria se chamar João.


A vita de São João Batista é especial neste quesito, pois desde sempre podemos considera-lo um arauto de Cristo. Desde a tenra idade, após os cuidados maternos deixarem de ser necessários, ficou recluso no Deserto da Judeia, como podemos perceber no Evangelho de São Matheus. Poucos sabiam quem era de fato São João Baptista. Apenas alguns pastores da região que sabiam que um menino havia sumido da casa do sacerdote Zacarias.


Analisando o Evangelho de São Matheus, temos o anúncio de São João de Cristo, como “aquele que vem depois de mim” (Mt 3, 11; Mc 1, 7; Jo 1, 15). Mais uma vez, o Messias era anunciado. Naturalmente, um homem com o passado desconhecido como São João Batista tinha, com a Judeia sem nenhum profeta nos últimos quatrocentos anos, como nos indica São Mateus, é de se observar que o povo sempre estava atento aos sinais.


São Lucas, por sua vez, revela que São João Batista “No ano décimo quinto do reinado do imperador Tibério…” (3, 1), ou seja, no ano 29. São João Evangelista, foi pupilo de São João Batista, oras, sua admiração e respeito pelo mestre eram imensuráveis. São Lucas mais uma vez demonstra grande respeito e admiração por João Baptista: “Veio a palavra do Senhor no deserto a João, filho de Zacarias” (3, 2).


Curiosamente, ao analisarmos a história de São João batista, nada nos relata, sequer um milagre. Por outro lado, em pouco tempo, multidões de pessoas na Judeia e Jerusalém reuniam-se para ouvir sua pregação. Nunca estudou retórica, mas fazia grandes pregações, sempre anunciando a vinda do Messias. Com isso, aliado a suas ações que se tornavam um exemplo de vida, convertia as pessoas. São João Baptista diferenciava de qualquer outro pregador do tipo messiânico, seja ele um profeta ou falso profeta por um motivo que faz toda a diferença. Olhando para o Evangelho de São Mateus, há uma exortação: “Fazei penitência porque está próximo o Reino dos Céus” (3, 2). Por meio de uma ordem, o arauto de Cristo com seriedade anunciava a chegada do Senhor.


Aparência: São João Batista tinha uma das aparências mais marcantes das sagradas escrituras. Vestia-se com pele de camelo e com um cinto em volta dos rins e alimentava-se de gafanhotos e mel (Mt 3,4), colhidos nos troncos das árvores e nas gretas das rochas. Nunca provou vinho, nem sidra. Era alto, delgado, forte, de olhar marcante, voz forte, atitudes viris, com um certo ar de misticismo, uma vez que sua fama era de trazer a fama e o anúncio de Jesus Cristo e depois desaparecer, partindo para uma nova região. Tinha uma longa barba, nunca tocada por uma navalha, a moda dos nazarenos e um longo cabelo que passava dos ombros.

São João Batista de Ticiano, 1540.

Batismo: O Batismo de Cristo por São João Batista é um dos momentos mais sublimes do cristianismo da vida de Cristo e fora perpetuado diversas vezes na arte sacra: Está presente nas iluminuras, afrescos, vitrais, mosaicos e diversas pinturas nos mais variados estilos artísticos.


São João Batista nunca tinha visto Cristo até aquele momento. Batizava as pessoas no Rio Jordão simbolicamente, pois era o Rio em que o povo de Deus havia adentrado na Terra Prometida e pregava o “batismo de conversão para remissão dos pecados” (MC 1,4). Exortava sempre uma conversão sincera, além apenas de sinais exteriores. O batismo limpava as manchas do pecado original e a penitência os pecados pessoais. O santo prezava uma mudança de fato na vida como símbolo da limpeza e da pureza.

Enquanto preparava para batizar um grupo de pessoas, São João olhou para um homem e logo percebeu que era Cristo. Assim que Cristo foi batizado, São João podia finalmente dizer: “Eu O vi e dou testemunho de que Ele é o Filho de Deus” (Jo 1, 34). É um dos momentos mais marcantes da tradição cristã, uma vez que o simbolismo do batismo de Cristo, mostra a importância do Sacramento do Batismo para as gerações futuras.

Batismo de Jesus Cristo, Piero della Francesca, c. 1448-1450.

Dificuldades: São João Batista por um tempo havia levantado grandes dúvidas. Devido a forma como vivia e as multidões que arrastava, muitos passaram a se questionar, se ele não era o Messias. Firmemente, refutavam a todas os questionamento e nomeações equivocadas. Por seu caráter profético, seu modo de vida santo e sua postura apostólica, a ponto de alguns sacerdotes, levitas, dentre eles fariseus, enviam uma comissão para interrogá-lo. Ocorre que São João Batista estava iluminado pelo espírito da verdade, anunciava sim o Cristo, apontando seu enviado, seu arauto, sem tomar mérito algum para si.


As palavras do santo são fortes e ao tecê-las com críticas, não poupava esforços em apontar os erros buscando trazer a verdade para conhecimento de todos. É odiado pelos fariseus, pois os acusa de hipócritas, é repudiado pelos sacerdotes e começa neste momento, devido sua grande popularidade com as massas, a preocupar os dois pilares políticos mais importantes da Judeia neste momento: Os sacerdotes, fariseus e o poder secular, a Tetrarquia Herodiana.


Flávio Josefo: O historiador e militar romano-judeu, Flávio Josefo (37-100), escreve uma passagem sobre São João Batista nos manuscritos “Antiguidades dos Judeus” (livro 18, capítulo 5,2). Escreve como “João, aquele que era chamado de Batista”, seu poder em reunir as multidões vinda de toda a Judeia e sua concepção da purificação do pecado por meio do batismo e da penitência, “antes que fosse tarde demais”.


Josefo também descreve que São João Batista é preso e enviado para Maqueronte, uma fortaleza no deserto da Jordânia. De lá foi executado sob as ordens de Herodes e antes, o exército da Judeia que era visto como um exército de Deus, diante de sua destruição, é um claro sinal da ira e desaprovação de Deus diante da morte do santo.


Martírio


Tudo começa com as atitudes do santo diante das ações do Rei da Judeia. Herodes Antipas havia ordenado o Massacre dos Inocentes anos antes, sua conduta para com o Império Romano ameaçava a independência dos judeus em uma delicada situação política e a popularidade que São João havia conquistado preocupava os nobres e os sacerdotes locais.


Com a prisão de São João Batista, Herodes não ordena sua execução de imediato. O Rei da Judeia conversa muito com o santo e são conversas que perturbam mais o rei do que são sementes que criam animosidade ou ódio. Além disso, em termos práticos, a execução de São João logo após sua prisão poderia ser um grande problema, pois sua popularidade como sabemos, atraía multidões e com isso, o apoio do povo. Uma rebelião do povo era tudo que Herodes não queria.


A situação muda durante a festa de aniversário de Herodes. Herondíades, neta do Rei, possui uma filha, Salomé, que faz uma dança em honra ao Rei, que logo fica fascinado e assim lhe concede um presente, mesmo que seja metade do reino. Salomé pondera com Herondíades e assim pede a cabeça de São João, que já era cativo. Herodes vacila com o pedido, suas causas e consequências. Como havia feito uma promessa, teve de cumprir.


Portanto, São João Batista morre no dia 29 de agosto na fortaleza de Maqueronte, decapitado. A tradição cristã entende que o santo morre como um mártir não da fé, pois o homem não teve de negar nada, mas sim um martírio da verdade, que é Cristo e São João Batista é seu grande arauto e pela verdade, ele viveu e morreu.


Martírio em vitral de São João Batista


Relíquias


Diversas relíquias estão espalhadas ao redor do mundo com os restos mortais de São João Baptista. Aqui, trataremos diretamente da relação entre a tradição e a crença dos povos. Flávio Josefo, Nicéforo e Simeão Matafrasta (Leão Gramático) escrevem que Herondíades enterrou o corpo do santo nos arredores de Maqueronte.


Sua cabeça acaba sendo objeto de disputa e mais de uma Igreja e duas religiões abraâmicas alegam ter a cabeça do santo: Os islâmicos alegam que está na Mesquita Omíada na Síria em Damasco; Os cristãos católicos alegam que está na Basílica de São Silvestre, o Primeiro em Roma.


A mão direita, que batizou Jesus Cristo, está presente na Catedral de Siena, que fica exposto todo mês de junho. Fora doado pelo Papa Pio II em 1464. Sua mão esquerda está na Igreja de São João de Chinsurah, Bengala Ocidental na índia, em uma igreja de cristãos armenos.


A túnica em que São João Batista estava vestindo no dia de sua execução está presente na Catedral de Aachen, na Alemanha.


A tradição armena alega que o corpo e os restos mortais de São João foram transferidos todos por São Gregório, o Iluminador para o Mosteiro Armeno de São Karapeto.


Arte


Cenas do Batismo de Cristo e da aparição e presença de São João estão presentes na arte Paleocristã. O santo sempre é representado alto, magro, alterando em algumas representações artísticas com seu cabelo, algumas vezes aparentando com o corte curto, outras vezes de cabelos longos.


A arte bizantina também representa São João. Um bom exemplo é Deesis, do século XII. O ícone mostra Virgem Maria, Theotokos, Cristo Pantocrator e São João Batista. Os dois estão virados para Cristo, que está de frente ao observador da arte como se estivesse intercedendo pela humanidade.


O ocidente, por sua vez, explora com mais profundidade São João Batista. O monge beneditino italiano Guido D’Arezzo compõe uma música em honra ao santo: Hymnus in Ioannem. Podemos ver a presença também de São João Batista nas bíblias e passagens litúrgicas como o Batismo de Cristo, seu martírio ou a anunciação do Messias.


Durante o renascimento, Florença é uma das cidades mais importantes para o desenvolvimento daquilo que compreendemos por arte renascentistas. São João Batista é o padroeiro da cidade, portanto diversas igrejas, batistérios e trabalhos artísticos passam a ser explorados em honra ao santo. Afrescos em Igrejas passam a ser muito bem representados bem como artes em quadros. Leonardo da Vinci pinta um quadro de São João entre os anos de 1513 – 1516. Cristofano Allori também compõe uma bela obra sobre a tela. Neste momento, a imagem de Salomé como uma mulher forte, inteligente e perspicaz começa a aparecer sempre com a cabeça de São João em um prato. Até poema, escrito por Lucrezia Tornabuoni em honra a São João em Florença é escrito.

Salomé recebe a cabeça de São João Batista, Onorio Marinari, c. 1670

Festa


A tradicional Festa de São João, nos remete até os tempos medievais. Igrejas em honra a São João são erguidas e consagradas ao santo como seu patrono desde o século VI. O dia de São João foi fixado como dia 24 de junho, pois é a data de seu nascimento. O santo é um dos poucos que se comemora tanto a data de seu nascimento bem como a data de seu martírio. Portanto, afasta-se diretamente a ideia de que a Festa de São João foi feita para “cristianizar” as festas pagãs do Solstício de Verão no Hemisfério Norte, que ocorre entre os dias 20 a 22 de junho. Trata-se de uma tentativa iluminista em difamar as práticas cristãs, pois o Solstício de Verão no Hemisfério Sul ocorre geralmente na mesma data, só que em dezembro e a festa de São João é comemorada por toda a cristandade.


Uma das primeiras aparições que temos registros são de festas em honra a São João em Florença. Era um dia especial para a cidade, com diversas representações artísticas da vida e morte de São João Batista. Haviam procissões, música, banquetes, danças, jogos e muita festa. Praticamente toda a cidade parava para celebrar a festa.


Logo no século XII, temos registros da popularidade da festa se alastrando ao redor da Europa. O teólogo e liturgista Jean Beleth, provavelmente um dos reitores da Universidade de Teologia de Paris de seu tempo, já escreve e descreve um pouco as festividades ao redor das fogueiras de São João, podendo perceber que a festa chegou até o Reino da França.


Na Inglaterra, por sua vez, temos o registro mais antigo datado do século XIII, em seu Liber Memorandum de uma pequena igreja paroquial em Barnwell no Vale Nene, onde o pároco local tirava o dia para jogar jogos, cantar músicas e celebrar a memória do santo.


No século XV, trazemos o relato do monge agostiniano da Abadia de Lilleshall em Shropshire: “A veneração de São João, os homens acordavam ao anoitecer e faziam três tipos de fogueira: uma de ossos limpos e sem madeira e é chamada de fogueira; outra com madeira limpa e sem ossos, que é chamada de despertar, para homens se sentarem e andarem por ela; E uma terceira feita de ossos e madeira, chama Fogueira de São João”.


Tradições Locais


Em Portugal, celebra-se as festas dos três santos: Santo Antônio de Lisboa (ou Pádua) no dia 13 de junho, São João Batista no dia 24 de Junho e São Pedro no dia 29. As ruas são decoradas com balões, bandeirinhas coloridas (característica muito presente nestas festas), grandes comidas típicas como caldo verde, doces, pães, peixes e vinho. Em Lisboa e Porto existem tradições distintas que criam a riqueza cultural portuguesa.


O Brasil acaba por receber muita influência portuguesa na festa de São João, inclusive na organização da festa com grande presença de música, jogos, dança típica de suas regiões, é uma festa onde há uma grande presença de comidas com milho, amendoim, sejam elas doces ou salgados, bem como a herança de Portugal como o Caldo Verde, bolos, pães, vinho quente e ainda com aquele toque brasileiro ao adicionar o famoso quentão, feito de aguardente.


Na Espanha, as festas de São João casaram bem com as tradições locais do povo espanhol, principalmente nas tradições nortenhas, que já estavam acostumadas com festas nesta época do ano desde o período dos povos celtas e celtiberos. Ao norte as fogueiras são geralmente organizadas nas praias com danças típicas ao redor. Na costa Mediterrânea ainda há a adição do costume com comidas típicas nas festas.


Da mesma forma que o Brasil importou e associou diversos elementos da festa de São João com sua cultura local, a América Espanhola também o fez, como por exemplos a festa na ilha de San Juan Bautista em Porto Rico, nomeada por Cristóvão Colombo.


Os germânicos também celebram a festa, seja em honra ao santo bem como como passagem do solstício e marca o tempo para a colheita dos vegetais. Temos tradições tão antigas quanto as italianas ou as francesas mencionadas acima. No dia 20 de junho de 1653, o Conselho da cidade de Nuremberg, no Sacro Império Romano Germânico decreta a ordem: “Onde a experiência antes mostrou, no dia de São João de cada ano, em todo o território, bem como nas cidades e vilarejos, dinheiro e lenha devem ser coletados pelos jovens e então ao dito fogo de ‘sonnenwendt‘ ou ‘zimmet’, por causa disso, bebe-se vinho, dança ao redor do fogo, pulam as chamas, com a queimada de diversas ervas e flores, sentando-se nas marcas feitas ao redor do fogo e de outras maneiras de superstições que o trabalho é feito – Portanto o Honorável Conselho da Cidade de Nuremberg não pode proibir ou impedir as impróprias superstições, paganismo e perigo do fogo no dia vindouro de São João”. Na Áustria, procissões ao redor do Danúbio e a região vinícola do Vale de Wachau fica repleta de barcos religiosos e fogueiras.


Os irlandeses também comemoram o dia, chamado de “Tine Cnámh”, literalmente “fogo de osso”. Feiras, música, danças e fogueiras também preenchem o entorno, com destaque a Ballagh, um vilarejo dedicado a São João Batista, com sua igreja dedicada ao santo.


Outros povos bem como os escandinavos e eslavos possuem suas tradições, tal como Jonsok, o “despertar de São João” na Noruega, Szentiván-éj, a Noite de São João para os húngaros, “Ivanjske krijesove” para os croatas, ‘noc świętojańska’ para os polacos, “Dragaica” aos romenos, “Ivanjidan” aos sérvios. Geralmente, baseia-se na existência de uma fogueira, músicas folclóricas, histórias tradicionais, mulheres e homens vestidos com roupas tradicionais eslavas, dos Balcãs, enquanto alguns tentam pular as chamas, outros danças pelas cinzas como os búlgaros.

A Festa de São João, Jules Breton, 1875.

Portanto, a festa de São João Batista, celebrada no dia 24 de junho, de acordo com a tradição e o calendário da Igreja Católica, diferenciando do calendário da Igreja Ortodoxa e seus patriarcados, faz uma mistura entre fé, tradição, povo e continuidade. Em muitos lugares é uma festa que mistura e relembra a vida dos três grandes santos do cristianismo, no próprio Brasil, percebendo sempre a presença da honra a São João, São Antônio e São Pedro, bem como a existência de uma mistura e continuidade das festas e dos costumes dos povos. Assim, misturam-se as danças, as comidas, as histórias, os costumes e cria um elo de ligação e continuidade das relações entre o povo, a fé e os costumes regionais.



Fonte: Revista Digital Arautos do Evangelho – Vida de São João Batista

Bíblia de Jerusalém

Arquivos Digitais do Vaticano – Martírio de São João Batista

Lucrezia Tournabuoni – Narrativas Sagradas

Britannica – Saint John the Baptist

João José Reis – A Morte é uma Festa

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